RIO
- O princípio básico das vacinas é “ensinar” previamente o sistema imunológico
a combater organismos causadores de doenças, os chamados patógenos, para que
quando a pessoa entre em contato com eles não fique doente. Para isso, os cientistas
lançam mão de diversas estratégias, como usar os próprios organismos — em geral
vírus, bactérias ou parasitas — já mortos ou debilitados, partes ou proteínas
produzidas por eles e até patógenos parecidos que afetam animais, mas não
humanos. Mas, dependendo do organismo, estas abordagens se mostram difíceis,
ineficazes ou mesmo arriscadas. Agora, porém, pesquisadores da Fundação Oswaldo
Cruz (Fiocruz), no Rio, desenvolveram uma tecnologia inovadora na qual
“embaralham” partes destes patógenos em outro contra o qual já existe uma
vacina eficiente e que acaba de ter patente concedida nos EUA. Assim, seria
possível ativar o sistema imunológico para lutar contra as duas doenças,
abrindo caminho para a criação de novos imunizantes contra males que assustam o
mundo, como ebola e Aids, ou negligenciados, como Chagas, dengue e malária.
Criada
por Myrna Bonaldo, chefe do Laboratório de Biologia Molecular de Flavivírus do
Instituto Oswaldo Cruz (IOC), e Ricardo Galler, do Instituto de Tecnologia em
Imunobiológicos (Bio-Manguinhos), ambos ligados à fundação, a técnica tem como
base a vacina contra a febre amarela, de segurança e eficácia reconhecidas.
Aplicado desde 1937, o imunizante usa vírus vivos atenuados, capazes de se
multiplicar no organismo humano em quantidade limitada, mas não suficiente para
provocar a doença. Com ferramentas da engenharia genética, eles encontraram uma
maneira de introduzir partes de outros patógenos no vírus, produzindo “vírus
recombinantes” que, por carregarem características dos dois organismos, podem “ensinar”
as células de defesa a reconhecer as duas infecções.
Myrna conta que
para chegar à tecnologia foi necessário primeiro um estudo minucioso do vírus
da febre amarela. Com apenas cerca de 11 mil nucleotídeos, as letras que
compõem o alfabeto do código genético de todos os seres vivos, o genoma do
organismo é pequeno mesmo se comparado com os de outros vírus, o que dificultou
a busca por locais onde ele pudesse ser alterado sem matá-lo ou deixá-lo
incapaz de se reproduzir, o que faria a vacina ineficaz. Depois, os
pesquisadores tiveram que encontrar uma forma de ordenar a “edição” das
proteínas características do segundo patógeno, isto é, separá-las do material
típico do da febre amarela, para que o sistema imunológico também desenvolva
defesas contra ele e ao mesmo tempo manter a viabilidade do vírus. Por fim,
eles ainda precisaram controlar a tendência do vírus de “expulsar” sequências
exóticas do seu material genético, estabilizando a capacidade de imunização das
eventuais vacinas contra as duas doenças.
— No final, temos
um produto que não deixa de ser uma vacina contra a febre amarela, mas que
também é vetor de componentes de outros patógenos e faz com que a pessoa reaja
à segunda doença — explica Myrna. — Ainda não temos um produto final e estamos
trabalhando para aperfeiçoar esta estratégia, mas, teoricamente, seria possível
usar o método para produzir vacinas contra qualquer tipo de vírus ou outros
patógenos, até o ebola.
Atualmente, a
tecnologia agora de propriedade intelectual garantida da Fiocruz está sendo
usada em pesquisas para a criação de uma vacina contra o HIV, vírus causador da
Aids, lideradas pelo cientista David Watkins, da Universidade de Miami, nos
EUA, em parceria com os pesquisadores da instituição brasileira. Neste caso, a
ideia é copiar a reação do sistema imunológico dos chamados “controladores de
elite”, raras pessoas que, mesmo infectadas pelo vírus, não desenvolvem a
síndrome, o que permitiria que a vacina fosse usada tanto para prevenção quanto
para tratamento da doença. Os resultados dos primeiros testes feitos em macacos
foram promissores.
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